quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Perigo alado mora ao lado

Um perigo


Descobri recentemente que França e Brasil tem diferenças bem mais flagrantes nos seus costumes do que eu ousava imaginar. E eu nao me refiro ao fato de que a cor do McDonalds aqui seja verde. Tou falando de algo bem mais desconfortante. De assalto. Enquanto algumas das capitais brasileiras galopam rumo às primeiras posiçoes no raking de violência mundial, os assaltos na França seriam o sonho de qualquer paraibano. 

Pra quem nao sabe, eu moro numa casa com outras oito pessoas e, no final de semana passado, viajamos todos juntos, como uma grande familia, para a fazenda de um amigo. O final de semana tinha tudo para ser perfeito, mas duas coisas atrapalharam. A primeira foram as vespas. As pobrecitas foram desalojadas à força (e la nem vai ter Copa), alguém derrubou a casa delas por medida de segurança, entao, elas ficaram vagando doidonas por aih, sem saber o que fazer da vida - como eu, inclusive, nesse exato momento pos-hospital. Daih que elas infestaram o ambiente e, sempre que deixavamos à vista alguma comida ou bebida doce, elas se aproximavam. Algumas, incapazes de suportar o fato de serem sem-teto, se jogavam dentro de copos de suco de laranja e se afogavam. Familias inteiras pereceram dessa forma. Mas as bravas continuavam a vespar entre nohs humanos, sobretudo em torno de mim, certamente a mais doce. Mas eu nao fui uma das duas pessoas picadas porque ja tive uma experiência com vespas ha alguns meses que me serviu de liçao e me ensinou a respeita-las. Tinha um ninho de vespas perto da porta da casa e era comum vê-las voando pertinho da gente. Um dia, enquanto aguava o jardim, tive a brilhante ideia de molhar as vespas. Nao preciso contar que fui picada, eu espero. Que liçao aprendemos, amiguinhos? Vespas nao gostam de chuva.

Mas as vespas nao foram a pior parte do final de semana. Na noite do sabado, recebemos uma mensagem da unica pessoa que ficou na casa dizendo que haviamos sido assaltados. Apesar da nossa casa ser grande, ela esconde um fato bastante contraditorio no tocante ao nosso nivel de vida: somos pobres. Na verdade, nossa pobreza é mais uma questao ideologica do que propriamente econômica (pra que vocês vejam, eu sou tao privilegiada que até quando eu sou pobre, é por escolha): recuperamos tudo, nao compramos quase nada (e, quando compramos, é na loja de usados) e o preço que pagamos é outro: o principal sofa da sala tem um rasgao enorme. Cabe mais pessoas no rasgao que no sofah. E, pra avacalhar ainda mais, desenhei no estofado um pênis gigante (porque tenho 12 anos) que foi mascarado por um desenho subsequente de um Bart Simpson (de olhos bem bem grandes). As cadeiras sao completamente diferentes em tamanho e conforto e... nao se trata de estilo. Ou seja, o ladrao deve ter ficado bem decepcionado ao ver o estado da casa.

No entanto, temos nossa vaidade tecnologica e, quando soube que tinhamos sido assaltados, pensei logo nos computadores, maquinas fotograficas etc. Na verdade, foi tao duro saber que meu computador nao estava mais no meu quarto, que a unica coisa que pensei foi "tudo bem, você ja entregou sua monografia". Desapego de emergência. Mas pouco a pouco as informaçoes foram chegando: "nao roubaram nenhum computador". Imediatamente, lembrei de um casal conhecido que teve a casa assaltada em Paris. Levaram correntes de ouro, mas deixaram o notebook. E deram uma cagadinha no meio da sala deles. Acho que deve ser uma marca da gangue. Apos um breve momento de reflexao, comecei a avaliar se seria preferivel encontrar meu computador e um pedaço de cocô no meio do meu quarto ou minha mesa vazia e um chao limpo. Encontraram um cocô na cama de um coloc, mas tinha sido obra de um dos gatos da casa. E alias, ainda resta duvidas se se trata mesmo de um cocô ou de um vômito...

No final das contas, eles soh levaram o cartao de credito da conta bancaria da coloc, mas deixaram computadores, tabletes, mp3, maquinas fotograficas, bicicletas e minha corrente de ouro. Entrando no meu quarto, encontrei metade das minhas roupas no chao. O que podemos concluir? A especialidade dos ladroes franceses é fazer bagunça. Eles entram nas casas alheias na calada da noite e bagunçam a casa toda. Mas nossa casa ja é tao bagunçada que o ladrao deve ter pensado "nossa, essa casa ja foi assaltada. Vou dar uma arrumadinha". Até torcemos para que o ladrao tivesse roubado o sofa, mas ao voltarmos, o sofa ainda estava la, com pênis e tudo. Os policiais vieram pra tirar as impressoes digitais, mas tinham tantas que eles desistiram - conhecendo o fluxo de pessoas na casa, da pra entender porque. Inclusive, minha memoria nao permite saber se ja contei isso aqui, mas uma vez, um dos colocs tava no terraço fumando quando escutou o carteiro, da calçada, falando baixinho pro colega em treinamento: "olha, quando você tiver uma carta destinada a essa rua e nao souber em qual casa entregar, pode entregar nessa aqui". 

Pensando bem, eu até que tenho sorte com assaltos. Ano passado, quando eu tava no Brasil, mais especificamente no hospital, minha irma foi assaltada enquanto trazia dois computadores na mao, o meu e o dela. O ladrao chegou, puxou o computador dela e deixou o meu - como vocês podem ver, minha sorte soh perde pra minha solidariedade. Minha outra experiência com (quase) assaltos, data do começo da minha adolescência. La estava eu em Joao Pessoa, indo pro shopping com uma amiga. 19h, aparelho nos dentes, parada de ônibus vazia, chegam dois meliantes de alta periculosidade, um deles, com uma arma na mao. Eu poderia ter chorado, desmaiado, corrido, dado cambalhota, mas nao. Eu comecei a falar. Falar, falar... Puxei altos papos com o ladrao até ele reclamar que eu tava olhando demais pra cara dele. Lembro que tive medinho, mas lembro mais ainda de como o cara era desajeitado. Em um momento, ele colocou a arma debaixo do braço e ficou filosofando sobre o bem e o mal. Realizem. Balanço do assalto: um ticket de ônibus.

Finalmente, o nosso "assalto" teve seu lado positivo: a seguradora vai repor a porta arrombada - que ja estava meio defeituosa. Tou vendo que a maior ameaça na França sao as vespas.

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.caso.me.esqueçam ta no Facebook!



domingo, 15 de setembro de 2013

Pequenas crônicas de um coraçao partido - parte II


Ah, se tivesse sido tao romântico assim...


Depois de um post mela-cueca, alias, mela-calcinha (alguém me explica porque 95% das pessoas que leem meu blog é formada por mulheres? Nada contra as mulheres, eu até sou uma, mas...), vou mostrar a dura realidade de uma cirurgia no coraçao. Atençao! Os relatos a seguir serao fortes. Pessoas com problemas no coraçao (sobretudo vocês, hahaha), crianças e amigos sensiveis, evitem a leitura das linhas que se seguem. 

(Pros que acabaram de desembarcar no blog...) Ano passado, descobriu-se que eu tinha um tumor de 3 cm na supra-renal direita. Foi descoberto assim, por acaso, apesar dos efeitos provocados serem ja bem evidentes. Enquanto os médicos faziam os exames necessarios para a operaçao de retirada do tumor, descobriu-se ainda que eu tinha uma abertura de 3 cm no lado direito do coraçao. Percebe-se que meu corpo tem alguma implicância com "3" e lado direito. Mas poderia ser pior. Eu poderia ter três maos direitas. Ou um pênis de três centimetros na coxa direita. Ou três olhos direitos. Ou, pior ainda, eu poderia ser de direita até a terceira idade.

O tumor foi pro lixo numa operaçao bem sucedida e, 417 dias depois, chegara a vez do coraçao. O meu problema, nao era assim tao grave. Um pequeno sopro. Pra quem ignora o que seja, uma foto pra ilustrar o problema.


Uma pequena abertura que provocava um desvio no curso normal do sangue que, por sua vez, provoca um monte de coisa ruim que eu nunca procurei saber o que era porque o importante eu ja sabia: eu nao tinha escolha. A cirurgia foi marcada para o dia, adivinhem, 03, mas eu tinha que entrar no hospital no dia anterior. Como a vida costuma conspirar quando você ja ta toda lascada, minha orientadora deu como prazo o dia 02 para a entrega do trabalho de conclusao da primeira parte do mestrado: eu tinha 15 dias para redigir 40 paginas em francês. Na verdade, eu tive alguns meses para fazer isso, mas soh tomei tino duas semanas antes, de modo que, horas antes de entrar no hospital, eu ainda estava preparando a conclusao. Porque a vida precisa de emoçao.

No hospital, dividi o quarto com uma senhorinha de 83 que tinha acabado de fazer uma cirurgia no coraçao. Ela perguntou: 

- Você vai fazer uma cirurgia de quê?
- Do coraçao.
- Sim. Claro. Mas de quê?

Aih eu lembrei envergonhada de que a gente tava no... Hopital Cardiologique. Apos corar levemente, tentei disfarçar, expliquei meu problema sem muito entusiasmo e ela se danou a falar da sopa que tava tomando. "Porque quando a gente vive uma guerra e passa fome, qualquer refeiçao é deliciosa". Eu tava de costas pra ela e, quando ouvi aquilo, meu olhos brilharam, minha cabeça fez uma volta de 180° e eu perguntei "gue-guerra? Que guerra?". A Segunda, meu povo. 

E daih ela começou a contar como foi, dos amigos que perdeu, do tanque de guerra estacionado na calçada dela que bombardeava o bairro e eu la, achando tudo lindo. Foi dificil imaginar o sofrimento vivido e os barulhos até ela começar a peidar. Sim, peidar. O primeiro peido durou tempo suficiente para que lagartas se transformassem em borboletas. Ela tava sentada num tipo de troninho instalado numa poltrona e sua missao do dia era fazer cocô. OU SEJA, eu estava confinada num quarto com uma mulher desconhecida que deveria cagar. E, à isso, eu preciso adicionar o fato de que... ela tentou. Ela peidou o mundo naquele quarto de hora. O cheiro subiu e eu, pobre coitada, com os olhos marejados de nausea, continuei impassivel para nao constrange-la.

- Um casal de amigos, que tinha pouco mais de 18 anos, foi levado pra um campo de concentraçao.
- Eles eram judeus?
- Eram nada. Mas foram levados assim VRRRRAAAAA mesmo. Eles estavam conversando na calçada.
- Eles foram levados pra onde?
- Primeiro, VRRRRAAA pra Alemanha, mas depois, VRA VRAAAA, eu perdi o paradeiro deles.

Gente. Eu me perguntava o que ainda restava dentro dessa mulher para que ela ainda continuasse cagando, mas quando a enfermeira entrou no quarto e perguntou se ela ja tinha terminado, ela disse que nao tinha conseguido fazer nada! Quis dizer que ela estava errada e que ela tinha conseguido me fazer perder o apetite, mas me limitei a comemorar internamente o fato de que a porta estava aberta.

No dia seguinte, às 13h, o maqueiro veio me buscar pra me levar pro bloco cirurgico. O cara era tao bonito quanto Brad Pitt e tao gay quanto Elton John. Sem problema, eu nao estava em condiçoes de exibir meu chalme naquele momento: depois dos remedios que me deram pra que eu chapasse relaxasse e aquela camisolinha de hospital, eu nao ia conseguir chamar a atençao dele nem se eu fosse o mais divino dos gays. A velha também elogiou a beleza do homem.

Cheguei na sala de cirurgia meio drogada e ja nessa hora, eu nao lembro de quase nada. E eh a partir desse momento que o drama se acentua. Abro os olhos, apos ter passado um longo momento passeando no limbo, e começo a sentir todos os invasores do meu corpo: um tubo na goela, outro entre as pernas, no nariz e, os mais incômodos, no peito. O médico, ao ver meus olhinhos abertos, vem e retira o tubo da garganta. Fez cocegas, mas nao as do tipo que te fazem rir. Meus olhos se encheram de lagrimas (reaçao normal apos compressao de algum nervinho local) e eu fiquei la, estatica. Vi as horas passarem com rapidez. Nao porque eu estava distraida, mas porque eu voltava a dormir por longos periodos.

No dia seguinte, fui levada a um quarto com duas camas. Ocupei a primeira e dormi. Meus amigos foram chegando, dei um oi drogado e dormi. Recebi presentinhos e dormi. A gente conversou e eu dormi. Eu tava bem louca. Eu nao queria falar, nem abrir os olhos. Na verdade, eu nao queria nem respirar, mas meus pulmoes eram teimosos. Mas o melhor momento foi sem duvida aquele em que ha a troca da roupa de cama. A troca se faz com o paciente na cama. Realizem. Eles levantam meus pés ao mesmo tempo em que vao retirando o lençol, me suspendem os quadris enquanto uma outra figura vai projetando o lençol limpo no colchao, até que todo o meu corpo tenha sido levantado, por partes, e um novo lençol tenha tomado o lugar do sujo. Falar sobre essa experiência nao me perturbou e me tomou somente alguns segundos do meu tempo. Viver a experiência me fez querer chutar aquelas mulheres e sentir dores em lugares cuja existência eu ignorava.

Quando nao eram visitas de trocas de lençol, eu recebia no quarto as responsaveis por me dar banho. "Banho". Elas tinham que passar uma esponja com sabao e depois agua no corpo todo. Esse momento era até relaxante. O problema é quando elas queriam lavar as costas e dai eu tinha que sentar. Soh que, quando você tem que sentar tenho uma abertura de um palmo recem-fechada no peito, sentar significa sentir dor. Muita dor. Tentei explicar que no Brasil as pessoas nao lavam as costas, um costume ancestral, praticado pelo povo local antes mesmo da vinda dos portugueses, mas elas me ignoraram e, quando dei por mim, tava sentada, choramingando e sendo lavada.

Quando nao eram as visitas de troca de lençol ou as de banho... o pessoal da radiologia chegava pra bater foto dos meus pulmoes. E dai eu tinha que levantar as costas da cama pra posicionar a placa na altura dos pulmoes. Dor. Muita dor. Minha vida, Brasil.


Mas nada era comparado à dor provocada pelas duas mangueiras enfiadas na lateral do meu peito. Eu nao tinha ideia de como exatamente elas estavam instaladas e fazia menos ideia ainda de como elas seriam retiradas. Por causa delas, era dificil mexer o braço direito. Eu não poderia fazer uma saudação nazista nem se eu quisesse. Mas isso me fez perceber algo obvio e pavoroso: o corte da cirurgia foi realizado no peito direito. “Misericordia... O que foi que eles operaram ?” Ja estava me preparando psicologicamente com a ideia de portar somente um pulmão, mas eu realmente estava na ala de cardiologia. Tudo certo. Ou quase.

Novo quarto apos a cirurgia, nova companheira de quarto. Esta compartilhava duas coincidências em relaçao à anterior: foi criança durante as Cruzadas a Segunda Guerra e peidava com vigor. Anna e Paula estao de prova ! Mas ela tinha um plus... Ela roncava.

Leitores queridos. Eu ignorava que um ser humano, tao pequeno e, aparentemente, tao frágil, pudesse emitir um som tao potente. Não deveria haver um soh musculo naquela garganta que prestasse pra alguma coisa. Dormi duas noites com meus fones de ouvido – sem musica. Numa delas, dormi três horas. Privada de sono, passei pelo menos uma hora ouvindo a melodia do ronco dela antes de decidir me entregar à televisão (em silêncio, usando os fones de ouvido). No dia seguinte, madame acorda e pergunta com um fio de indignação: “você assistiu televisão tarde da noite, não foi?” Fiquei calada porque sou lesa não queria contraria-la, mas admito que ja tava cansada dos pitacos e reclamações da véia.

Mais cansada ainda eu tava do cheiro que emanava do meu couro cabeludo. O banho de esponja que as enfermeiras me davam não se estendia à cabeça e, como em Lyon estava fazendo 78 graus, na sombra, e a véia tinha decidido fechar as persianas pra evitar a entrada de sol e oxigênio no quarto, eu transpirava por cada poro e mangueira do meu corpo. “Não morri com a cirurgia, vou morrer de calor. Que lindo”. A partir do segundo dia, comecei a sentir um cheiro de macaco velho. Era eu. Minhas lindas madeixas encaracoladas, ao termo de três dias roçando no travesseiro, tinham virado um ninho de rato. Uma enfermeira se apiedou da minha situação e com grande bravura se apresentou para pentear meu cabelo. Eu ri. Expliquei que ela poderia ainda encontrar na minha cabeça as mãos das pessoas que tentaram tocar no meu cabelo. E eu continuei la, na cama, parecendo a doida dos gatos. 

Gostaria de ter mais registros desses momentos. Eu deveria estar realmente um primor. Cabelo em pane, entubada, suada, cansada e fedida. Beth disse que eu dormia no meio das conversas e acordava respondendo à perguntas feitas dez minutos antes. Mas eu não dormia. Eu piscava o olho lentamente. Os primeiros dias foram bem dificeis. Eu tinha uma bombinha de morfina que eu podia acionar quando eu sentisse dor, mas ela soh liberava morfina a cada dez minutos e, na boa, eu nao via diferença nenhuma entre antes e depois. Eu nao, mas a velhinha do meu lado sim. Ela disse que a ultima vez que deram morfina a ela, depois de uma cirurgia no fêmur, ela teve visoes e caiu da cama! "Tinham coisas andando no meu quarto! Eu vi. E nao quero tomar morfina dessa vez". Pensei "nem eu quero que a senhora tome". Credo.

 Com o passar dos dias, foram me desentubando. Assim, ganhei uma mobilidade importante e a permissao de tomar banho! Eu sentia como se tivesse ganho na loteria. Eu podia me levantar, andar (andei cinco metros no quarto dia e senti que esses passos foram tao importantes quanto os de Armstrong em 69). Eu poderia ir sozinha no banheiro. E eu até deveria, senao a enfermeira teria que recolar a sonda na uretra. Horas depois, a enfermeira me perguntou com a mao na cintura:

- Você ja fez xixi?
- Nao... :D
- Mas voce nao esta bebendo agua suficiente?!
- Na-nao... :/
- Ah é? Você quer que eu coloque a sonda de volta?
- Nao :(

Aih eu sai correndo pra mijar. As enfermeiras pareciam minha mae, aff. Como vocês podem ver, fui bem cuidada. Voltei pra casa e tou sendo assistida por minha coloc que, olha que sorte, é enfermeira! Pra finalizar as boas noticias, minha orientadora disse que tinha gostado do meu trabalho. Agora, hora de descansar: muita informaçao pro meu coraçao.




domingo, 8 de setembro de 2013

E a mae, joana.


broder, e essa força?

por aqui, tudo bem. posso começar a falar do tempo, ja que a senhora sempre pergunta se aqui ta frio ou quente. é verdade que o clima pode influenciar bastante nosso humor, mas ultimamente tenho me sentindo tao bem, que deixei de ir à janela checar o rumo dos ventos pra decidir se ponho um sorriso ou se o guardo no bolso. gostaria de explicar porque me sinto bem, mas pra sua decepçao, é sem motivo aparente, mais ligado às minhas drasticas mudanças de humor do que propriamente à um emprego novo. ou esse bem-estar seja talvez porque eu tenha me dado conta de que um emprego, ainda que novo, nao vai contar em nada à minha felicidade. talvez conte à minha conta. mas nao conto com isso. mas te conto que (parei) estou bem simplesmente porque, aqui, ja sofri demais. mas nao era um sofrimento sabido. eu soh soube que fui triste porque agora eu sorrio. ainda que sem motivo. desculpa. na verdade, tem um motivo. ou varios. mas nao sao aqueles motivos-clichês: estabilidade, labrador no jardim ou carro na garagem. e ja me adianto que nao ando feliz porque descobri que o grande segredo da felicidade é mudar de carreira do nada, trabalhar menos, se ocupar mais dos filhos, seguir seus sonhos ou começar a procurar beleza nas pequenas coisas da vida, como o caminhar de uma joaninha no nosso joelho. eu sempre soube que joaninhas eram indicadoras supremas de gente feliz. ou sensivel. joaninhas ja me fizeram muito feliz. a ultima, inclusive, me fez feliz ha umas três semanas, quando eu tava colhendo damasco la em larnage. o sentimento provocado nesta mulher de 28 anos, foi provavelmente o mesmo produzido em qualquer outra criança que vê uma joaninha pela primeira vez na vida. o mundo todo para de mexer. e aquela joaninha se torna imensa. e vai dançando desajeitada na nossa pele. e vai deixando, em cada passo, um carinho. e, de repente, o nosso coraçao começa a queimar e o sorriso começa a sorrir e, sei la porque, a desgraçada da joaninha voa no apice do momento. e a realidade volta, os carros buzinam, você levanta o rosto e o mundo ta ali de novo, como era antes da joaninha decidir dançar. decidi parar de procurar felicidade em coisas tao efêmeras, mas nao pretendo afastar a possibilidade. 

mas mainha, nao tou escrevendo pra falar de joaninhas, ainda que eu saiba que a senhora poderia me escutar falar durante horas sobre um assunto tao banal. (...) desculpa, joaninha. tao "banal". eu tou te escrevendo pra dizer que eu ja fiz a cirurgia do coraçao e, por favor, maezinha, nao se sinta traida. eu nao vi nenhum interesse em amargurar esse seu coraçao falando da data ainda que ele seja bem saudavel (apesar dele estar batendo ao dobro do tempo que o meu). nao disse nada porque eu sabia que, enquanto meu coraçao estivesse sendo consertado, o seu estaria paralisado. mas pra te acalmar: tou bem. de novo. os detalhes eu conto em casa, ao telefone, porque ainda tou no hospital. mas tou aqui de boa, sem absolutamente nenhum cateter ou soro ou sonda ou dor, onde as recomendaçoes se limitam basicamente a "nao dar bunda canastica" ou "nao dançar a macarena bêbada". mas de qualquer jeito, eu nao faço mais isso – nao danço a macarena. sigo à risca as recomendaçoes do médico e as enfermeiras estao derretidas por mim. acho que ainda nao sou a queridinha de todas elas, mas pretendo me transformar deixando (comida e) um bilhetinho agradecido em cima da cama antes de ir embora. sou absolutamente a favor de bilhetinhos. dentro do bolso do amigo, na carteira do amado, na cama - ainda que seja na de um hospital e pra uma mulher. mas quando falei de traiçao, nao me referi propriamente ao fato de nao ter revelado a data. falo na verdade, da escolha de ter feito a cirurgia aqui, tao longe da senhora. mas segui meu coraçaozinho fudido e apostei que teria aqui o suporte necessario (nao o melhor) pra realizar a cirurgia. 

quando acordei sozinha na sala de reanimaçao, me senti infinitamente sozinha. eu tive um sonho quando era criança, provavelmente o sonho mais bizarro que ja tive na vida (eu sei, sonho bizarro = pleonasmo, mas). eu, numa piscina profunda, me deparo com uma vaca amarrada em cima de uma cama, as quatro patas atadas em cada ponta dela. e nesse momento do sonho, nao havia barulho. eu sentia uma angustia enorme de ver aquele bicho que, ainda que vivo, nao se debatia debaixo da agua. eu queria procurar a superficie, mas nao me mexia. ficava ali, vendo a porra da vaca turva e aquele silêncio ensurdecedor, aquela solidão azul. quando acordei sozinha na sala de reanimaçao, eu tava presa à cama, anestesiada. tinha pelo menos um tubo saindo de cada buraco do meu corpo, dois que saiam grotescamente da lateral do meu peito direito diretamente pra uma caixa de plastico e outras tantas agulhas presas às maos e aos braços. e naquele silêncio, soh me limitei a seguir o medico com os olhos. e toda vez que eu me sinto sozinha, eu lembro desse sonho, desse vazio. e nessa hora, eu me senti realmente sozinha, solidoes que soh uma doença é capaz de proporcionar. mas dessa vez, eu decidi me mexer. e fui la pra superficie tomar fôlego, deixei o silêncio, a agua e a vaca pra la. enfrentei quatro dias de claustrofobia em cima de uma cama porque nao podia me mexer e o que me enclausurava era meu proprio corpo. mas olha. tou aqui escrevendo esse email. tirei os tubos. guardei os buracos.

e sabe, no primeiro dia no quarto, recebi tanta gente, que fiquei de saco cheio (nada pessoal, pessoal): nao podia falar direito. e eles trouxeram porcos de pelucia, chocolates, paes, cookies, livros, bombons e até vieram, num dia de tempestade, me ajudar na correçao final da minha monografia (inclusive, a entreguei hoje). eles se revezaram pra corrigir os erros de ortografia e fizeram uma tabela com os dias de visita, pra que eu nao passasse nenhum dia sozinha no hospital. nico me abraçou tao forte quando voltou de viagem que eu senti o coraçao dele bater contra meu peito. e priscilla, quando se despediu hoje, pegou meu rosto com as duas maos, deu um beijo bem longo e, quando pensou em largar meu rosto, voltou a beijar a bochecha e rimos juntas como um belo casal de lesbica que nao somos. e eu soh pude ter vivido essas coisas, porque eu apostei que aqui daria tudo certo. era garantido que com a senhora eu nao passaria nenhuma privaçao, mas eu decidi arriscar. e ganhei. é por isso que eu tenho me preocupado menos com o tempo. essas pessoas sao minhas joaninhas de felicidades não-efêmeras. pode sorrir.


com amor, da filha querida


luciana

(é bom especificar, ela tem duas).

Talvez

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