sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Disque L para lesar

Vocês devem nao andar se perguntando onde foram parar as historias da casa em que eu morava com mais dez pessoas. Pois bem, ha mais de três anos, eu mudei de casa e de bairro. Agora, eu moro no bairro mais popular de Lyon: a Guillotière. Esse bairro tem tanto macho assediador de beira de calçada, que eu ja dediquei um post sobre o assunto ha quatro anos, antes mesmo de morar no bairro. "Luci, se o bairro é tao foda assim, por que você escolheu morar la?" Gente, deixa eu escolher pelo menos o bairro onde eu vou morar! "Ah, entao nao reclama". Olha, o blog é meu, eu reclamo se eu quiser. Alias, eu nem sei com quem eu tou discutindo... Entao, continuando. 

Tem um bando de desocupado pelas calçadas. Eles passam o dia todo la, vendendo haxixe e marlboro falsificado. Alias, esses sao os menos desocupados. Os desocupados profissionais, te cantam quando você passa. Mas atençao, nao é aquela "cantada" de brasileiro quero-te-colocar-de-quatro-e-ripa-na-chulipa. A cantada é mais estilo "você é muito charmosa", "bom dia, hmm", o que leva muito macho a achar que estamos exagerando quando nos indignamos com esses tratamentos. Mas creiam-me: quando você escuta isso com frequência, você ja sai de casa botando sangue pelos olhos! Ou soh sou eu que reajo assim? Siiiim, soh você, Virgem Maria dos anos 90.

Diferentona

Alias, quando eu era criança, eu morria de medo dessas historias de Virgem que chora, de colchao que pega fogo sozinho. Um dia minha mae saiu de casa e eu fiquei vendo Gugu com meu irmao mais velho. O programa falava sobre uma estatua da Virgem que chorava sangue. Olha, eu tava tao tensa, que se meu irmao tivesse espirrado na hora, eu nao estaria aqui agora escrevendo besteira pra vocês, teria passado dessa pra melhor, morta de susto. Enfim, divago. O caso é que eu passei a reagir com certa frequencia às cantadas, à medida em que os anos foram passando. 

Entao, ha duas semanas, la estava eu tranquilamente andando na calçada com a criança tranquila que tomo conta, numa tarde muito tranquila. Estavamos voltando pra casa quando, de repente, um homem que estava dentro de um carro estacionado me chamou pra pedir uma informaçao. Eu fui com certa cautela, sem me aproximar muito. Por que? Porque quando eu era pequena, eu lembro de estar brincando na rua com meus irmaos/amigos e de um cara ter parado num carro pedindo informaçao. Ele queria saber onde tinha uma farmacia no bairro, porque ele tinha levado uma picada de abelha. Eu deixo vocês imaginarem onde ele tinha levado a picada. Pois é. Os anos 90 foram recheados de Caverna do Dragao e trauma. Inclusive, la vai mais um sobre o tema. 

(Aquele momento em que você usa seu blog como terapia) 

Eu tava andando pelo bairro com uma amiga e a prima dela. A gente devia ter uns 9/10 anos, no maximo. De repente, numa tarde muito intranquila, um bigodudo de boné passa de bicicleta pela gente mostrando as vergonhas dele. A vista daquele bigode pendurado me chocou bastante. Os bigodes eram muito comuns nos anos 90. Tinha até na televisao, assim, no domingo à tarde, pra qualquer criança ver. 

Mas voltando pra semana passada, eu fui andando com cautela até o carro do cara que queria a tal informaçao. Peguei a criança pela mao e fiquei ha uma distância de pelo menos dois metros dele. O cara pediu a informaçao aos cochichos achando que eu iria me aproximar. 

- Shhhffftiijjjj?
- EH O QUE, OMI?
- Eh... Onde fica o Sixième?
- Fica praquele lado la, oh.
- Ah ok. (...) Você é muito charmosa!



Coroi. Ele disse essa, acelerou e foi embora. Eu queria ter tido alguma coisa pra arremessar naquele carro, mas eu soh tinha a criança comigo, achei melhor nao. Eu voltei pra casa bufando, passei um péssimo dia. Dois dias depois, às 8h30 da manha, fui trabalhar e, quando tava entrando pela porta do prédio da guria, um cara passa por mim dizendo algo e fazendo cara de quem nunca viu mulher na vida. Claro que eu mandei ele calar a boca e claro que ele veio atras de mim. 

(Insira meu pânico aqui)

Entrei no prédio rapidamente, fechei a porta de madeira maciça, passei pela segunda porta, de vidro. Ele abriu a porta de madeira com um chute, eu abri a porta do elevador e paramos ali. Ele abriu a boca, mostrou os dentes e, com os olhos, gritou: "Sua promiscua! Putéfia!" (Optei pela traduçao que iria choca-los menos). "Zoupeira, croia!" Sem esperar que ele descobrisse que a porta de vidro nao tranca, eu peguei o elevador, toda cagadinha.

No dia seguinte, eu começaria o trabalho no mesmo horario. Fiquei com medo do insano estar me esperando no mesmo lugar, mas o Céu foi clemente e era dia de chuva. Chuva = guarda-chuva = Luci-dissimulando-o-rosto-com-guarda-chuva. Dai la estava eu na minha cautela tao caracteristica, andando e escondendo a cara, andando e colocando o guarda-chuva entre mim e os passantes, qualquer um, pra evitar antigas e novas confusoes. Dois caras vinham se aproximando no sentido oposto. Eu fui avançando em direçao a eles e, quando iamos nos cruzando, eu coloquei discretamente a umbrela entre a gente pra evitar qualquer contato. Foi quando um deles se jogou na minha frente, se agachou, avaliou meu rosto, sorriu e disse "ah sim ! Ela é linda!" e foi embora com o amigo sorrindo. Aih meus olhos foram chuvendo até o trabalho.

A verdade é que no dia em que o doido entrou no prédio, eu decidi me inscrever nas aulas de Krav Maga PORQUE VIOLENCIA A GENTE RESOLVE COM VIOLENCIA porque eu queria ter um pouco mais de auto-controle. Pra isso, eu tinha que ter um certificado médico provando que eu era apta pra atividades fisicas. Fui no médico, aquele mesmo que diagnosticou minha tosse de louco, e tivemos o seguinte dialogo:

- Dotô, eu queria um certificado médico.
- (escrevendo de cabeça baixa) Pra quê?
- Pra praticar uma atividade fisica...
- (escrevendo de cabeça baixa) Qual?
- Krav Maga.
- (cabeça baixa) Por que?
- Porque eu fui agredida na rua por um cara e...
- (para de escrever e levanta a cabeça com um sorriso) Aaah! Entao você quer bater nos homens?!

Pra falar a verdade, eu gostaria muito de estripar uns dois ou três, mas poder me defender em caso de ataque ja ta bem bom! Aih ele perguntou o que os caras me diziam. E é foda contar, né, porque, primeiro, isso nao vem ao caso, segundo, isso nao vem ao caso mesmo. Mas como eu falo pra caralho, eu disse que os caras soltam uns clichês e/ou fazem uns barulhos com a boca.

- Que tipo de barulhos?
- Ah, sei la!
- (assoviando) Fiu-fiu? 

Haha Meu filho, nin-guém faz fiu-fiu hoje em dia! A gente soh vê isso em propaganda de creme solar ou de cerveja. Na vida real os caras trincam os dentes e chupam a saliva. Arfam com a lingua do lado de fora.

- Nhé... eles dizem fiu-fiu... é... isso mesmo.
- Ta bom. Entao, vamos pra sala de exame. Tire somente a blusa e o sutia.
- Certo.
- Fiu-fiu! he-he-he

Juro. A pessoa tem que jurar no caralho desse blog, mas é verdade. O cara simplesmente assoviou. Bom, ele fez isso assim que eu levantei, antes que eu me despisse, mas ainda assim: achando que essa seria uma PIADA MUTCHO LOKA! Selo Gentili de aprovaçao. E depois ele ainda disse que era loucura se "inflamar" porque "homem é assim mesmo, sempre foi". Magina, broder! A mulher vai no seu consultorio traumatizada pelo pedofilo que tem ataque anafilatico peniano, pelo homem de bigode na bicicleta, pelos insanos da Guillotière e dezenas de outros ainda. Ela ta traumatizada a ponto de resolver fazer um esporte de combate pra se defender no caminho da propria casa e você, seu médico pessoal, depois de ouvir tudo, decide o quê? O quê? Fazer uma piada com assédio e ainda justifica-lo. Claro. Pensando bem, era bem inofensivo essa Virgem que menstrua pelos olhos. Sdds. 


::

E pra quem é de feici:

.caso.me.esqueçam.




segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A mulher nao vitruviana

Acalento 


As lembranças do feici me mostraram esse post de 2011 sobre uma das minhas milhares de idas ao médico. Esse post me divertiu bastante porque, se minhas acnes nadegueiras desapareceram, minha peleja por um médico continua firme e forte. 

Da médica maluca que dava o diagnostico com um mega-fone, eu migrei pra uma que atendia la perto de casa. Além de medica generalista, ela também atuava na ginecologia, o que era bem pratico, ja que isso me poupava de ver dois médicos caso eu também precisasse de um especialista nesta area. Além do mais, eu preferia me consultar com alguém que soubesse realmente o quao violenta pode ser uma colica menstrual. Entao, eu ia sempre no consultorio dela até que um dia ela me receitou vitaminas pra tratar de queda de cabelo. Teria sido maravilhoso se ela tivesse pedido exames e descoberto que, na verdade, eu tinha um tumor. Mas eu nao guardo rancor dessa maldita incompetente. A prova disso é que fui consulta-la uma ultima vez.

- Doutora, eu tou com uma micose vaginal.
- (olhos condescendentes) E como você tem tanta certeza?
- Porque nas crises de coceira eu tenho vontade de extirpar minha vulva com um ralador de legumes. Pura intuição.
- Vamos dar uma olhada então.

(uma olhada depois...)

- Nao, nao é micose nao. 
- Como assim nao é micose?
- Na verdade, sua anatomia faz com que você sinta esse desconforto, mas na verdade, você soh precisa mudar de posiçao nas suas relaçoes sexuais.

Juro pela minha mae mortinha. 
(Oi, mae! Nao se preocupa que essa historia é verdade!)

Eu fiquei assim, olhando pra cara dela, olhando praquele diploma emoldurado na parede, olhando pra cara dela, olhando praquele diploma... E fui embora. Desiludida com o fato de que uma especialista em vaginas & cia nao reconheça um problema simples relacionado à vaginas & cia, decidi avacalhar e dar uma oportunidade pros homens. Foi então que encontrei um novo médico que, em cinco consultas, não me tocou nenhuma vezinha, não tirou pressão, nem fez perguntas sobre meu historico de saúde. Muito pratico!

A primeira vez que precisei desse homem, foi no ano passado por causa de uma tosse. Essa tosse começou de mansinho, como quem nao queria me matar. Era um arranhado delicado que fazia a voz emperrar. Fui ao médico uma vez. "Antialérgico". E mel e xarope. As semanas foram passando. Fui no médico pela segunda vez: "antibiótico". E Mel, xarope, alho. Antibiotico na terceira vez também... E mel, xarope, alho, oleo essencial, exorcismo... E a tosse la, ha quase seis meses! Comemoramos juntas o Natal daquele ano.

Eu ja tinha me acostumado a ela e essa é uma mentira tao grande que fui ver uma naturopata. Se com medicamentos alopaticos o encosto nao saia, resolvi dar uma chance à homeopatia. Mas consultas com médicos homeopatas não são reembolsadas pela seguridade social francesa, então desembolsei 60 eurinhos. Finalmente, com esse novo tratamento, eu pude constatar que eu havia jogado 60 euros no lixo: a tosse persistia. 

No oitavo mês, decidi ver outro médico. Eu tava fazendo uma formação na época e pedi sugestões de médicos pros colegas de classe.

- Conheço um otimo!
- Quero o numero dele então, por favor.
- Ah, mas deixa soh eu te avisar uma coisa...

Na sua opinião, do que Luciana precisava ser avisada acerca desse médico? A pergunta soh admite uma resposta correta:

a) O médico não era discreto
b) O médico não sabia diagnosticar micoses
c) O médico não investigava as doenças
d) O médico dava falsos diagnósticos
e) O médico não curava nem tosse
f) O médico não era reembolsável
g) O médico era negro

- Olha, ele é negro.
- O_o
- Eu digo isso porque tem gente que não gosta, né?

Anos 90
Sem entrar no mérito da questão kakolega, fui no médico-que-tem-gente-que-nao-gosta. Cheguei la, me apresentei e fui desenrolando o pergaminho de cerca de sete metros onde eu tinha registrado meus ultimos percalços de (nao) saúde e li, durante sete horas, 36 minutos e 43 segundos, todas as minhas doenças importantes dos ultimos cinco anos. O caba nem piscava. Dava pra ver que aquele médico estava interessado no meu problema. Ele até me fez perguntas! Doi? Febre? Catarro? Dor de cabeça? Pediu exame de sangue e fez até aqueles exames que eu achei que tivessem ficado nos anos 90: tirou pressão com ajuda do estetoscopio, verificou minha goela com um abaixador de lingua, me fez tossir enquanto me auscultava etc. Eu fiquei assim, uau, um médico!

Então, saímos da sala de exame, voltamos para a sala de consulta e ele tinha um ar grave. Ele juntou as maos, suspirou fundo e me deu o veredicto assim, sem nem ao menos me preparar: "Luciana, você não tem nada". Como assim eu não tenho nada? Eu nunca nunca tive nada, doutor! Não me deixa assim sem doença, tao de repente! "Na verdade, esse é um problema de ordem psicológica". Devolve minha doenç... Ah, problema psicológico! Vejo que estamos chegando a um acordo. "Essa tosse é o que chamamos de 'tosse dos loucos'".

Eh o quê, broder?

La toux des fous que em francês é mais simpático, mas não menos revoltante! E essa revolta não vinha da minha desconfiança em relação a esse diagnostico, ela vinha contra mim mesma que não tinha pensado nisso antes! Quer dizer, eu cheguei a pensar, mas essa garganta coçava tanto que eu cheguei a pensar novamente no ralador de legumes. "Nada", ele disse. Mas não foi com essa analise que ele ganhou meu coração. Foi quando ele disse "você é muito mais ansiosa do que você imagina". Querido, é porque eu sou ansiosa de cagar liquido que eu vou aceitar o que você ta falando. E uma outra coisa que me leva a acreditar nessa teoria é que essa tosse começou logo depois da pericardite. Tudo se explica. Eu não tou doente, somente louca.

Três semanas depois, eu parei de tossir. Eu estava procurando médicos homens, mulheres, sem me dar conta que nada disso importava sem o auxilio dele:


Quero avisar que essa imagem é meramente ilustrativa ja que o médico era negro. 


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E pra quem é de feici:

.caso.me.esqueçam.



Talvez

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